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Diretor: Paulo Menano

Opinando: Ana Reis Nunes e o Dia Mundial da Língua Portuguesa


A minha pátria é a língua portuguesa

Bernardo Soares in O Livro do desassossego

 

Comemorámos, recentemente, e pela segunda vez, no dia 5 deste mês de maio, o Dia Mundial da Língua Portuguesa, instituído pela UNESCO em 2019. Este ano esta celebração teve um grande impacto em mim, devo reconhecer. Talvez por, finalmente, termos regressado à escola, a minha segunda casa,  e por poder conversar, presencialmente, com os meus alunos sobre a importância da nossa língua ou por ter visto a efeméride profusamente divulgada, a verdade é senti uma vontade imensa de declarar o respeito e o orgulho enormes que a nossa língua me merece e a responsabilidade que sinto em estar à altura de a dar a conhecer mais profundamente aos jovens com quem trabalho.

A reflexão sobre as palavras (entenda-se, língua) entrou muito cedo na minha vida. De facto, recordo distintamente o momento em que, numa conversa com o meu avô materno, pessoa que é uma referência fundamental para mim, ele me disse que era importante pensarmos bem nas palavras que usamos. Disse, inclusive, entre outras coisas, algo que até hoje recordo e que é mais ou menos isto: “Se não tiveres nada bonito para dizer a alguém, então não digas nada”. Claro que é uma afirmação discutível, mas o que ele me quis transmitir foi a força e o poder que as palavras têm e, quanto a isso, julgo que não há nada a acrescentar. Deve ter sido esse o momento em que as palavras me surgiram como uma espécie de revelação e conhecê-las quase adquiriu o estatuto de missão, uma das linhas da minha vida. Até hoje!

Atualmente, vejo com satisfação que o apreço pela língua portuguesa tem vindo a crescer. De facto, na minha juventude, havia como que um menosprezo pela língua que falamos e por tudo o que lhe estava associado, fosse em termos sociais, artísticos ou culturais. Valorizava-se o que vinha de fora e esse era um movimento generalizado. Por isso, sinto-me feliz por perceber o lugar de destaque em que hoje é colocada em todo o mundo onde se fala; deixa-me feliz a enorme aceitação que os escritores de língua portuguesa, que recorrentemente leio, recebem, tal como me alegra que sejam conhecidas e muito ouvidas as canções que associam a universalidade da música à beleza das palavras que dão conta da essência de um coração que bate num uníssono linguístico ou, ainda, o fascínio que me provocam os sotaques ou variedades do português que, indiferentemente dos lugares ou povos,  tornaram a magnífica língua de Camões a quarta mais falada do mundo.

A língua portuguesa, a nossa língua, materna para muitos, não tem donos nem proprietários, nem tampouco “utilizadores de primeira ou de segunda”. É de todos, herança que recebemos e que deixaremos. A língua que partilhamos é o primeiro instrumento de construção. De construção do ser, da personalidade, do modo como vemos o mundo. Para além de um traço identitário poderoso, alicerça o pensamento e os valores que nos estruturam, não só como indivíduos mas como membros de uma comunidade coesa nas suas idiossincrasias. Por isso, deve merecer o nosso carinho, o nosso respeito e o nosso compromisso de assumirmos o papel de embaixadores da sua divulgação.

Vergílio Ferreira, escritor beirão, escreveu um dia “Da minha língua vê-se o mar”. Atrevo-me, numa espécie de exercício de apropriação e de reformulação da sua frase belíssima, a afirmar “Da minha língua vê-se a vida”.

Ana Reis Nunes